domingo, 15 de maio de 2011




PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE INFÂNCIA
(OU COREOGRAFIA DA INDIGÊNCIA)

“Havia risos nas ruas da infância”,
eram ruas e não vielas.

Vestidos brancos, inocentes,
rodopiavam na roda,
ao longe (muito longe)
Mãozinha negra e suja,
decepada na roça ...

Havia dança de roda,
era bairro e não era favela
(nem “complexo”)

Praças, jardins, calçadas, bancos
desconheciam a bailarina e seus gestos,
dançando sua indigência
no sinal (urbano) da rua.
No sinal da rua,
vende sua inocência.

Havia gargalhadas e folguedos,
mas, não crianças negras na roda.

Por que, quando chega a notinha,
sem convite pra brincar,
o negrinho da favela
(ou do “complexo”)
brinca de bandido e mocinho
com sua 45, sem hora pra voltar
(... terá volta?)

Nessa colorida roda
A sociedade esqueceu
Esqueceu a cara do povo
A realidade absurda
do menino negro,
do pardo,
do pobre,
do índio
(meninos)
No seu pensamento burguês
eles não existem, são ameaça
são fantasmas, feios, profanos.
Traumatizam seus anjos.
Serafins que brincam e festejam
sua imaculada infância,
Protegida pela carcaça
duma hipocrisia infame.

Havia risos nas ruas da infância?


O DIA DO SENHOR

E cá estamos nós petrificados diante do
“homem vestido de linho
com um tinteiro de secretário sobre os quadris”.
Petrificados (e cegos) pela glória dos querubins,
a espera da benevolência de termos nossas testas marcadas
(com um sinal)
pelo homem vestido de linho.

Apenas suspiramos e gememos
"por causa de todas as coisas detestáveis
que se fazem no meio dela".
Só queremos ter o sinal para sermos poupados
e nada fazemos.
Continuamos petrificados e impotentes (?).



O RIO AMANHECEU CHORANDO

Era tanta água
Que achei que era o mundo
Pensei por uns instantes
Que chorava minha dor
Tola
Diante das guerras, misérias
Crianças famintas, escravas
Vilipendiadas na sua inocência
Mães que perderam seus filhos
Diante da Cuba bloqueada
O mundo cristão assassinando Maomé
Minha dor não é nada
Como nada sou.
O dia amanheceu chorando
Um pranto de ribanceiras
Desfolhar da primavera
Desnudando as amendoeiras da Glória.
O Outeiro, debruçado sobre a marina,
Lamenta a lama que desce sobre o asfalto.
A mesma lama/lamento de nossas cabeças
Cobre o chão escondendo nossas vergonhas.
Uma autoridade diz: “é a natureza”
Eximindo-se da sua culpa de nada fazer
Invoco Bakunin. Pra que Estado?
“Somos escravos de altos tributos
Corrompidos pelas instituições
As reticências, as meias verdades
Os pensamentos castrados
As atenuações complacentes
E concessões de frouxa diplomacia
Não são os elementos
De que se formam as grandes coisas”
Nossas necessidades básicas continuam a existir
E não seremos grandes.

A cidade amanheceu chorando
E toda minha existência Nietzscheneana
Vem a tona questionando o ser.

Ficarei em casa, ouvirei Maria Callas
Amarei Tristão pela útima vez
E quem sabe “o apanhador no campo de centeio”
Dê-me uma arma para eu dar cabo de mim

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