sexta-feira, 24 de junho de 2011


TALVEZ

Talvez um ogro maldito
Venha roubar-nos o espírito
Dessa irmandade poética
E enquanto lamentamos a perda
Tal ogro funesto e frio
Leve embora consigo
Nossa alma poeta.
Talvez!

domingo, 15 de maio de 2011


VOU RETIRAR-ME

Vou retirar-me de cena
Perdi a vontade
Só quero meu troco
Não quer me dar?
Não tem?
Pode ficar!
Não importa
Amanhã não será outro dia
Vou descer do trem
É,
Mesmo andando.

Você vai fazê-lo parar?
Então, pare
Pare!
Quero descer
Me deixe passar

Nestes trilhos desfocados
Errei o caminho
Fiquei por muito tempo
Qual Hopper
A olhar a cidade
Pela janela do meu quarto

Não há vencedores
E os predadores
Já estão lambendo os beiços
Não há opção
A insanidade destrói a razão
O delírio é um escape
Mataram a pomba da paz

Perdi este jogo
Vou tirar meu time
Atear fogo no campo
E culpar os cristãos

Vou retirar-me de cena
Não faça cena
Continue na festa
Prove os pasteis

Pintarei um vigésimo andar
Subirei pelas escadas
Não há pressa
No trampolim da alegria
Vou mergulhar neste céu

PASSAM PASSOS,
PASSA O TEMPO
(Ao meu pai)

A um passo da ponte
Penso no compasso dos teus passos
Segurando firme a pequena mão suada.

Insegura menina desliza pela ponte.
Passos curtos, passos surdos,
Tempo passa.

O balanço da ponte,
O sussurro do vento.
Passos confusos, sentimentos difusos,
Crescem numa prece ao tempo.

Tempo, peço-te que não passes.

Passe o tempo de espera.
Passe o pranto da quimera.

Passos lentos, mãos entrelaçadas.
Penso:
Eternos passos na ponte
Ao passar do tempo.




PRINCESA GIULIA
(Para minha netinha)


Ocupando nossas vidas
Giulia, princesa/menina
Num faz-de-conta
Brinca, canta, faz sorrir
À alegria nos induz
Ilumina a existência
Clareia nossas sendas
Com seus olhinhos de luz

Vou contar um segredo
Pra quem quiser ouvir
No dia que Giulia nasceu
Eu voltei a sorrir




DOR
(Ao meu sobrinho, Herbert)

Entre árvores, flores e concretos
Passos lentos, sem som, pela estrada
Céu pintado de cinza engole o choro
Sufoca a dor de cada gente
Gente viva,
Há muito...
Morta

Entre lápides, cruzes e imagens
Choros, pranto, banham a dor
Dor do dia perdido
Dor do rancor reprimido
Suspiro sofrido de dor




NÃO ME PERGUNTES
(Para o meu sobrinho Herbert)

Não me perguntes por que estou indo embora
Nem por que não foi posta a mesa
Não me pergunte por que tantas flores
Nem “por quem dobram os sinos”
Não me pergunte por que tantas caras bonitas
Nem por que todas são tristes
Não me pergunte pelos músicos
Nem por quem canta o rouxinol
Não me pergunte por que o céu pintou-se de cinza
Nem por que as luzes se apagaram
Não me pergunte
Não tenho as respostas
Preciso ir embora
Tenho que lhe deixar pra trás



ERA UMA VEZ (Bailarinas)
[Para meu amigo e querido

poeta, Byra Dorneles]

“Eu quero!” Julia me pede
“Por quê?” Clara pergunta
E eu, vestido de avô,
Canto Aquarela pra elas,
Conto mais uma vez
E descubro que a fantasia
E uma dança da chuva,
Das bailarinas,
Com o gato de botas,
Príncipe e princesas,
Numa festa na lua.
Onde minhas meninas,
Com graça, me ensinam,
Que homem também chora,
Que o “faz de conta” é agora,
E viver é sempre:
“Era uma vez”.







PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE INFÂNCIA
(OU COREOGRAFIA DA INDIGÊNCIA)

“Havia risos nas ruas da infância”,
eram ruas e não vielas.

Vestidos brancos, inocentes,
rodopiavam na roda,
ao longe (muito longe)
Mãozinha negra e suja,
decepada na roça ...

Havia dança de roda,
era bairro e não era favela
(nem “complexo”)

Praças, jardins, calçadas, bancos
desconheciam a bailarina e seus gestos,
dançando sua indigência
no sinal (urbano) da rua.
No sinal da rua,
vende sua inocência.

Havia gargalhadas e folguedos,
mas, não crianças negras na roda.

Por que, quando chega a notinha,
sem convite pra brincar,
o negrinho da favela
(ou do “complexo”)
brinca de bandido e mocinho
com sua 45, sem hora pra voltar
(... terá volta?)

Nessa colorida roda
A sociedade esqueceu
Esqueceu a cara do povo
A realidade absurda
do menino negro,
do pardo,
do pobre,
do índio
(meninos)
No seu pensamento burguês
eles não existem, são ameaça
são fantasmas, feios, profanos.
Traumatizam seus anjos.
Serafins que brincam e festejam
sua imaculada infância,
Protegida pela carcaça
duma hipocrisia infame.

Havia risos nas ruas da infância?


O DIA DO SENHOR

E cá estamos nós petrificados diante do
“homem vestido de linho
com um tinteiro de secretário sobre os quadris”.
Petrificados (e cegos) pela glória dos querubins,
a espera da benevolência de termos nossas testas marcadas
(com um sinal)
pelo homem vestido de linho.

Apenas suspiramos e gememos
"por causa de todas as coisas detestáveis
que se fazem no meio dela".
Só queremos ter o sinal para sermos poupados
e nada fazemos.
Continuamos petrificados e impotentes (?).



O RIO AMANHECEU CHORANDO

Era tanta água
Que achei que era o mundo
Pensei por uns instantes
Que chorava minha dor
Tola
Diante das guerras, misérias
Crianças famintas, escravas
Vilipendiadas na sua inocência
Mães que perderam seus filhos
Diante da Cuba bloqueada
O mundo cristão assassinando Maomé
Minha dor não é nada
Como nada sou.
O dia amanheceu chorando
Um pranto de ribanceiras
Desfolhar da primavera
Desnudando as amendoeiras da Glória.
O Outeiro, debruçado sobre a marina,
Lamenta a lama que desce sobre o asfalto.
A mesma lama/lamento de nossas cabeças
Cobre o chão escondendo nossas vergonhas.
Uma autoridade diz: “é a natureza”
Eximindo-se da sua culpa de nada fazer
Invoco Bakunin. Pra que Estado?
“Somos escravos de altos tributos
Corrompidos pelas instituições
As reticências, as meias verdades
Os pensamentos castrados
As atenuações complacentes
E concessões de frouxa diplomacia
Não são os elementos
De que se formam as grandes coisas”
Nossas necessidades básicas continuam a existir
E não seremos grandes.

A cidade amanheceu chorando
E toda minha existência Nietzscheneana
Vem a tona questionando o ser.

Ficarei em casa, ouvirei Maria Callas
Amarei Tristão pela útima vez
E quem sabe “o apanhador no campo de centeio”
Dê-me uma arma para eu dar cabo de mim



DIANTE DOS FRACASSOS

Mantenha-te calado diante dos fracassos pessoais
que batem à tua porta
Pois “de perto ninguém é normal”
A tua loucura foi não investir nos teus sonhos
e deixar que sonhassem por ti

Somos todos caçadores de emoções...
Somos movidos por sentimentos, desejos,
ideais utópicos de nossos ancestrais
Somos tatuados com a sujeira egocêntrica
e extremamente humana
dos seres que ocupam esse espaço

Em algum lugar do tempo também tatuamos alguém
que se tornou credulamente sujo
por apostas suas fichas em nós
Se for pra lamentar, cala-te.
Se não, lavaremos todas as escadas do mundo
com nossas decepções e expectativas
que não se concretizaram

Mantenha sim, teu sorriso franco,
estampado no teu medo de menino
Arma contra os usurpadores
da tua ingenuidade de índio

Transforme desencontros vocálicos
e as mutações que ainda te restam
em mais puro som
E aumente...
que isso aí é Rock and Roll






DIA/NDIA/NOITE

Luzes densas que caem como gotas de sangue
Sobre a alma corroída...
É dia

Estrelas que cortam o brilho cego do olhar distante...
É noite

Caminho ermo de sensações nunca sentidas
Onde sons de buzinas passam mudos na calçada...
É dia

Trancar de portas, cerram-se as cortinas
Sobre os rostos mortos descarnados...
É noite

Cheiro ácido, caustico, do cigarro na xícara de café
Pela vidraça a sujeira dos espermas que não foram recolhidos...
É dia

Resto de sopa na tigela da mosca
Trilha sonora da vida fora do ar...
É noite.

O Outeiro sem glória toca os sinos
Mendigos banham-se em paris...
É dia

A prata da lua que mata
Revela a cobiça do louco...
É noite

E os fantasmas do passado tão presentes
Nos engolem, nos degolam, nos devoram dia e noite


JOGO

Sou a última da fila
Nunca a bola da vez
Sou rainha morta
Do tabuleiro xadrez






INSPIRAÇÂO

Fecharam minha janela
Minha fonte secou
Minha fome de palavras enfastiou-se
Perdi minha referências no shopping
Não sou mais poeta
Dessa vez não foi por engano
Tornei-me náusea desse desejo
Cantei meus versos pra outro cantador
Morreram-se os motivos
Fechei meus olhos para o teu sorriso
E quando a chuva caiu
lavou os poemas que restaram
Apagou da esquina os meus passos
Não mais falarei deste amor

DESDÉM

Já estou mais do que convencida
da tua falta de me querer
Tudo bem!
Não te quero também

teu gozo não sacia o meu
Gozas nas entre linhas
Enquanto eu
Sou corredeira abaixo

Tua constante afirmação é pra convencer a quem?

Ti elegi o meu obscuro objeto de desejo
Só pra compor os meus versos
E para isso
Faço chover
Molho você
Só pra brotar em mim estas palavras
- Sem nexo ou complexo -
Que necessito para existir

Não te ofendas
Te uso sim
Quantas vezes me der na telha.

Alimento minha alma poética
Como parasita fosse
Desta tua indiferença

Pobre de ti que não possui musa inspiradora
Morres a cada dia
Engasgado com tuas decepções
que derramam, como ladrão

Tens o registro enferrujado
Emperrado pela razão.

Gozo a expectativa de te ver todos os dias
Com essa carinha de índio
Sem tupã
Que perdeu o 19 de abril

E,quando te vejo
Acende em mim esse desejo
De amar e não querer você
Aí então
Eu escrevo
Eu escrevo
Eu escrevo...
já estou mais do que convencida da tua falta de me querer
Tudo bem!
Não te quero também


SOU

Eu sou o vento
Eu sou a brisa
Eu sou o norte
Lua, nua
Sou mulher
Sou a sem sorte.



A MENINA DANÇA

Dança menina feia desbotada na parede
Canta a infância roubada:
Do you one dance?
Qual mariposa embriagada pela luz
Espatifa-se na vidraça
Não encontra eco:
"Do you love me?"
Encontra egos distorcidos de luxúria
Não chove
E o sexo confunde-se com o Rock
Rasgaram-lhe a bandeira vermelha
“Só a infância presente existe!"
Dança, canta, rodopia:
Sua infância presente
Roubada
Espatifada
Distorcida
Sonhou num dia de chuva ser princesa
Ousou beijar o vento
Perdeu-se na tempestade
Acordou tarde demais



CONFISSÃO

Sala, madrugada fria, onde as falas se perdem
Na noite quase perfeita da imaginação
Trêmulo corpo sob o branco pijama
Denúncia de um querer
Formas elásticas de coxas e de seios
Trazem a certeza do impossível resgate
Janela estendida no céu
Desnudada pelo vento do silêncio
Serena à noite o orvalho que a desperta
Quisera, por uma noite, ser Ceci
Para amanhecer
Nos braços do poeta


NO GUETO

No gueto da solidão alimenta-se de migalhas
Que não são pra ela
Tola, tosca, destruída pelo tempo
A espera do que não é seu
Revira o lixo deixado pelas damas da noite
Procurando algo de bom
Odor de gozo exala das vilas, ruelas
Ao som de um blues
E o cão vagabundo, devasso, saciado
Não enxerga a onça pintada
"E era um cão vagabundo e uma onça pintada"
Que não se amaram na praça
Perderam-se nos seus mundos
Submundos.



PRESERVAÇÃO

Guardei-me de te querer
Te tocar, te sentir
Não só por covardia
Foi numa tentativa insana
De preservar
O que há de bom em ti
Não recebi o bilhete azul
Quando vim ao mundo
Tenho sorte no jogo
Azar o meu
Ficarei a contar dias e luas
Os amigos me trarão notícias tuas
E..., guardada de ti
Continuarei minha existência
Onde as humanidades
São deixadas do lado de fora

MEU SILÊNCIO

No tempo, vozes do vento,

Que dizem que vale a pena

Flores também murcham

Os rios não voltam

E a cada manhã o sol vem

A lua nos consola da escuridão

Ilumina a terra com prata

Enquanto o orvalho molha o chão

Pense, vale a pena.

Não precisa andar sobre o mar

Basta sorrir e continuar

E olhar para o horizonte

Essa dança será minha

E meu silêncio terá um nome

E o que eu preciso estará lá

Mesmo que eu não o toque

Mesmo que não me veja

Ele estará lá, eu sei.

Vou abraçá-lo com os olhos

E dizer-lhe num silêncio mudo

Que meu anjo é real

Que nas noites sem lua

Ele vem me embalar

E lembrar-me

Que as flores murcham

Os rios não voltam

E existem outras formas de amar.